Iaponan Soares é dessas figuras queridas, queridíssimas, sobre as quais posso falar à vontade.
Conheço-o desde os meus 13 anos. Ele prestava serviços ao escritório de meu tio, o engenheiro Antônio Carlos Werner. Iaponan era técnico de solos, função fundamental para o planejamento e implantação de novas estradas. Lá ia eu, garoto, ajudá-lo nas duras tarefas do cotidiano. Circulávamos numa Kombi da firma, em busca de amostras de solo na região Norte da Ilha. Era a época de elaboração do projeto de engenharia da SC-401, início do governo de Colombo Salles.
Nas nossas conversas, Iaponan descobriu que eu gostava de ler. Falou-me de sua imensa biblioteca, instalada em sua casa no bairro do Balneário, Estreito. Perguntou-me o que eu andava lendo. Era o tempo das obras completas de Sherlock Holmes, a série magistralmente escrita pelo britânico sir Conan Doyle. Iaponam ponderou que eu devia começar a ler autores brasileiros [conhecia poucos, só os mais óbvios, Machado de Assis, José de Alencar, Jorge Amado, Drummond, Vinicius].
No dia seguinte, ele apareceu no escritório com alguns livros debaixo do braço. O que mais me chamou a atenção, por causa do título, era "Os Cavalinhos de Platiplanto", do José J. Veiga. À noite, em casa, devorei o primeiro livro do mestre goiano numa só sentada. Foi paixão à primeira leitura [li todas as obras de Veiga nos anos seguintes].
Tempos depois, deixei o escritório para me dedicar a outras atividades. Mas a amizade com Iaponan prosseguiu. Continuamos nos encontrando e trocando idéias sobre literatura brasileira. Acabei me tornando também um escritor, um pouco por culpa dele, outro pouco por responsabilidade de meu tio, um outro tanto por causa da influência que recebi depois de Lindolf Bell,
Alcides Buss e Salim Miguel.
Outro dia estive na casa dele, a mesma casa do Balneário de décadas atrás. Ele me recebeu com alegria incontida. Conversamos durante horas. Falou-me de seus problemas de saúde. Fiquei comovido. Iaponan sempre foi muito forte [repetindo Euclides da Cunha, "o nordestino (como Iaponam) é antes de tudo um forte"]. Saí preocupado de sua casa, de seu encantado mundo de livros, que ele conserva com cuidados especialíssimos.
Anteontem recebi um telefonema de uma moça da Fundação Catarinense de Cultura. Ela queria meu endereço para mandar um convite. "O professor Iaponaninsiste muito para que o senhor vá ao evento". O evento acontece hoje. É a entrega da Medalha do Mérito Cruz e Sousa, maior comenda cultural de Santa Catarina. Iaponam é um dos homenageados. Justa homenagem a um homem de letras, a um pesquisador atento, a um professor que dedicou grande parte da vida à sua maior paixão, os livros.
* * *
Iaponan Soares deve ter mais de 30 mil livros. É a maior biblioteca particular de Santa Catarina e uma das maiores do Sul do País. Mas não é só uma coleção de livros: ele é proprietário de centenas de raridades literárias, de valor inestimável. Além disso, fundou e dirige do Museu da Poesia Manuscrita – uma forma de valorizar o artista e sua identidade, contra o mecanicismo dos meios eletrônicos de produção.
Daqui do meu cantinho mando um beijo especial para este grande amigo de tanto tempo, tantos papos e tantos livros.
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