Uma cena forte, vista pela reportagem serve de emblema da devoção ao padre João Maria Cavalcante de Brito, uma das figuras centrais na história da Igreja Católica no Rio Grande do Norte. Dona Elita Araújo Cavalcanti, 80 anos, ajoelhada diante de um altar ofertado ao vigário que encantou potiguares no final do século 19, limpava-o com um pano diminuto. Natural de Ceuzeta, ela, que integra a diretoria do Apostolado da Oração da igreja Nossa Senhora de Lourdes, localizada em uma área conhecida como Alto do Juruá (entre os bairros de Petrópolis, Mãe Luiza e Areia Preta), fala do líder espiritual com a mesma empolgação que ele doava para flagelados da seca recém-chegados a Natal, então com menos de 20 mil habitantes.
“Mesmo sem conviver com ele, sinto sua presença. Ele foi um santo que o Rio Grande do Norte teve e que deveria valorizar mais”, diz dona Elita, vizinha da igreja desde os anos 1950. A valorização cobrada teve início efetivo em 2002, com a abertura do processo de beatificação do padre morto em 1905, aos 57 anos, por varíola – doença que combateu com fervor durante a epidemia que grassou o Nordeste brasileiro nas três décadas finais de sua vida. Na primeira escala para transformá-lo em beato, o processo foi encaminhado a Roma, onde permanece engavetado.
“Quando o processo é aberto, ele já se torna Servo de Deus. Agora depende de um milagre feito por ele, para apresentarmos novas evidências do que já é consagrado pelo povo de Natal. O que ele representa no imaginário popular, com uma vida pobre, simples, caridosa, que acolhia os migrantes da seca, dando roupa, remédios, comida, isso tudo já o transforma em um santo”, diz o padre Robério Camilo da Silva, pároco da igreja que um dia serviu de morada para o fundador da imprensa católica no Estado, ao lançar o jornal Oito de Setembro. Política e paciência estão no cerne da expectativa por sua beatificação.
Para tanto, o cônego José Mário, pároco da igreja Bom Jesus das Dores, na Ribeira, e Postulador da Causa dos Santos, está na capital italiana para concluir um curso de três meses, que envolve ensinamentos sobre a burocracia no processo. “Desde 1950 se fala nesse processo. Na época do Papa João Paulo II, houve uma desburocratização, uma abertura maior. Infelizmente, não posso garantir um prazo para isso ser concluído. Como eu disse, estamos aguardando por um novo milagre do padre João Maria”, diz Padre Robério Camilo.
“Ele teve um papel muito importante na organização do povo, no despertar dos direitos civis. Beatificado ou não, permanece a Palavra de Deus que ele conduziu tão bem. O santo não é o perfeito, mas é o justo, o bom, o honesto, o verdadeiro. Imagine que padre Cícero, com milhões de devotos, ainda não teve seu processo aceito. A Igreja é a primeira a duvidar, para não aceitar qualquer um”, confirma padre Robério, à frente da paróquia desde 2009 – todo dia 16, data da morte do padre (16 de outubro de 1905), é celebrada uma missa para conclamar pela beatificação do ‘Santo’ papa-jerimum.
Com as mudanças sociais, econômicas e ideológicas ocorridas ao longo dos últimos 107 anos (tempo em que registra a morte de padre João Maria), a Igreja se viu forçada a reformular a abordagem no contato com fiéis. A medida serviu para agregar novidades, como cultos musicais e envolvimento direto com a política – caso do arcebispo de São Paulo, Dom Paulo Evaristo Arns, atuante na abertura pós-Regime Militar. Nesse caminho, oportunistas usam a força da religião para benefício próprio, na contramão do que o filho do Seridó pregava – ele nasceu em uma fazenda que pertencia ao município de Caicó, mas hoje é lotada em Jardim de Piranhas.
“No tempo dele, roupas, comida e remédio bastavam como ajuda material aos devotos. Hoje, as pessoas muitas vezes querem bens que não condizem com a postura católica. A Igreja está antenada com a política, com os direitos da sociedade, conscientizando as pessoas de que o Poder é nosso, do povo, não dessa turma que está aí”, atenta padre Robério. Como seguidor de um ser especial que atraiu a simpatia da então incipiente sociedade potiguar, ele sabe o valor de um símbolo do catolicismo no Estado para manter o diálogo permanente.(Fonte:JH).
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